Projeto experimental de associação de ideias, de poemas, de excertos de diário, de desenhos e de pinturas. É uma tentativa de transportar o universo dos meus cadernos para o digital, com a intenção de compartilhar um pouco do meu processo artístico.
Juliana Matsumura |
Ao olhar para o meu arquivo de viagens, deparei-me com estas fotografias feitas na Ilha de São Miguel em 2015. Voltei a me fascinar com o pulsar e o fervilhar da caldeira, com o desenho que o fenómeno traça na paisagem e com a força que vem de dentro para fora - uma espécie de passagem entre. Sublimação. No momento em que a fotografia foi tirada, desejei que o meu trabalho pulsasse da mesma maneira, que se transformasse com a mesma fluidez e que alterasse a paisagem que existe dentro de mim.
Estes desenhos partem da ideia de existir uma violência ténue, imperceptível que percorre as veias do mundo, da natureza e do espaço-tempo. Uma força silenciosa e irreparável.
Re-existir#1, #2 e #3, 2019
35 x 25 cm cada
35 x 25 cm cada
Sombra no Deserto (2019) é uma tentativa de tatear um território novo, um mundo completamente marcado pela ausência, pela falta, pela distância e pela dor. Série de desenhos feitos na prensa de gravura - 25 X 20 cm
Encontrei esta fotografia, ou melhor, comprei esta fotografia numa feira em Lisboa, já não me lembro bem quando. Ela permaneceu na parede do atelier, dentro de um caderno, numa maleta ou na minha imaginação e de vez em quando reaparece, como um fantasma que sempre volta. Algo neste horizonte calmo revela algo que ora me perturba, ora me instiga: céu e mar, dois mundos, dois que se tocam no limiar, no limite da rocha ou da montanha. Haverá passagens, interfaces, portais entre duas existências, entre duas eternidades?
Penso na fluidez, no fluxo, na contínua passagem das coisas e na impossibilidade de ver e de sentir o mundo. Penso na água, nos seres aquáticos, nos microorganismos e na imensidão do céu. Será o meu trabalho nuvem? Ou será fissura e erupção?
Corpo-fumo, 2019 Corpo-água, 2019
monotipia sobre papel monotipia sobre papel
60 x 42 cm 60 x 42 cm
monotipia sobre papel monotipia sobre papel
60 x 42 cm 60 x 42 cm
O tempo agora é outro e é outro o fluxo que percorre os meus pensamentos. A dinâmica pulsação, o desejo autofágico que é combustível da engrenagem do fazer, desacelerou. Tento o quase nada. Tento as micro existências na imagem, tento fazer ver muito no pouco que há. A potência de circunscrever pequenos acontecimentos.
Estancar a ausência, 2019
Monotipia sobre papel - pigmento, terra e água.
65 x 95 cm
Monotipia sobre papel - pigmento, terra e água.
65 x 95 cm
Estas fotografias revelam o meu desejo de fazer a luz trespassar o meu trabalho, fazer ver através. O dentro e o fora se confundindo, como se a natureza se manifestasse como figura e fundo simultaneamente. Entrar na e receber da potência do existir. Confluências.
Janela #2 ; Janela #3, 2019
Impressões fine art
Instalei uma pintura de tinta-da-china e folha de ouro sobre um tecido transparente numa árvore, num local de fronteira (entre tipos de vegetação). Aqui a transparência e a luz fazem parte da composição, o desenho transformou-se em corpo-janela e, ao mesmo tempo, em película fronteiriça. Janela #1, 2019 Impressão fine art |
A caminho, 2020 Corpo-gelo, 2020
pigmento, terra e água sobre papel pigmento, terra e água sobre papel
100 x 70 cm 100 x 70 cm
pigmento, terra e água sobre papel pigmento, terra e água sobre papel
100 x 70 cm 100 x 70 cm
Encontro
Eternos desconhecidos
é o que seremos
tantos são os mistérios
que enevoam as vidas que nos envolvem...
impedem a luz de transpassar
de percorrer todas as correntes – fixas ou intermitentes-
dos corações.
há um vácuo qualquer nas retinas
que suga as forças curiosas
e todas as pistas mal reveladas.
há um mundo qualquer que nos escapa
com portas e janelas trancadas
sujo e cheio de pó
prestes a arrebentar.
porque o grito que há lá dentro
assim como o mais poderoso êxtase
nunca foi ouvido, nunca foi sentido.
vestígios irrisórios deste mundo,
fogem pelas fechaduras
e o tempo paira quando encontram vestígios de mundos alheios
comunicam códigos terríveis.
Eternos desconhecidos
é o que seremos
nunca ouvirei teu grito
nem nunca abrirei tuas portas
e nem tu, as minhas
mas deixa-me fingir que te conheço
e deixemos nossos vestígios dançarem em silêncio
Como se nossos corpos não existissem
Como se não houvesse dor
Como se não houvesse o fim.
Casulo (2016)
As imagens foram produzidas a partir de uma projeção de luz que incidiu sobre um objeto, construído por mim com arames e fitas transparentes. Este experimento dialoga com questões autobiográficas de deslocamento territorial, de reflexões sobre a necessidade de abrigo para que questões afetivas possam sedimentar.
Correspondências.
Comprei esta fotografia na feira da ladra em Novembro de 2018. Não sabia onde esta igreja se situava, nem o autor da fotografia, mas algo nesta imagem me chamou a atenção. Em Janeiro de 2019, depois de pesquisas e leituras sobre estética medieval, visitei Santarém para ver de perto a arquitetura de alguns conventos e igrejas da cidade. O último local que visitei foi a Igreja da Graça e lá senti uma familiaridade incomum quando entrei. Ao sair, me deparei com a mesma rosácea e com a mesma porta da foto que eu tinha comprado meses antes. A mesma luz entrecortada, a mesma densidade da construção, o mesmo silêncio da pedra. Um silêncio invernal, da cidade desertificada, da cidade do passado. Nunca tinha sentido tanto frio. Nesta viagem ouvi vozes do passado, do meu passado e da minha solidão.
Comprei esta fotografia na feira da ladra em Novembro de 2018. Não sabia onde esta igreja se situava, nem o autor da fotografia, mas algo nesta imagem me chamou a atenção. Em Janeiro de 2019, depois de pesquisas e leituras sobre estética medieval, visitei Santarém para ver de perto a arquitetura de alguns conventos e igrejas da cidade. O último local que visitei foi a Igreja da Graça e lá senti uma familiaridade incomum quando entrei. Ao sair, me deparei com a mesma rosácea e com a mesma porta da foto que eu tinha comprado meses antes. A mesma luz entrecortada, a mesma densidade da construção, o mesmo silêncio da pedra. Um silêncio invernal, da cidade desertificada, da cidade do passado. Nunca tinha sentido tanto frio. Nesta viagem ouvi vozes do passado, do meu passado e da minha solidão.
Rio-correnteza #3, 2020
tinta de gravura e tinta óleo sobre papel
150 x 100 cm
tinta de gravura e tinta óleo sobre papel
150 x 100 cm
Será possível o encontro? O que fazer com a barreira, o muro, a impossibilidade dos sentidos que impedem a passagem, a comunicação, o verdadeiro toque? Se há algum desejo em mim é o desejo de expansão, que se desdobra no desejo de fluidez ininterrupta da existência e do pensamento. Mas essa suposta fluidez sempre desemboca na infalível dureza do corpo, da palavra e do instante - que escapa entre os dedos. Hiato silencioso que me ultrapassa.
Rio-correnteza #1, 2020
tinta de gravura e tinta óleo sobre papel
100 x 150 cm
tinta de gravura e tinta óleo sobre papel
100 x 150 cm
Em 1845 os físicos Louis Fizeau e Leon Foucault tiraram a primeira fotografia do Sol, anos depois da primeira fotografia da lua ser feita por Dr. J.W. Draper. Talvez por não ser-se possível olhar o sol diretamente, a imagem causou-me estranhamento, seja pela esfera ter sido aplainada pela captura ou pela descontinuidade da ideia do sol que existe no meu consciente e a imagem do mesmo. A imagem tem este poder de descontinuar a realidade e ressignificá-la. O círculo tem uma herança simbólica em muitas culturas, principalmente na concepção de cosmos, de totalidade, ou para os taoístas é o princípio primordial para o qual tudo retorna. Interessa-me a concepção de ordem caótica da existência que se manifesta numa unidade totalizadora, presente em cosmovisões antigas, nem que seja para contestar a ideia dentro de mim. Esta fotografia do sol me faz pensar no universo e no mistério das coisas.